terça-feira, janeiro 24, 2012

Feira paulista

A Oswald de Andrade e Murilo Mendes

Nabos e peitos de frango observam saudosos
a praça provinciana da capital.
Verduras,
domésticas e abelhas amontoam-se nas laranjas
e o sol vermelho sacoleja os panos de prato
conforme os bigodes do feirante desidratam-se.
O pasteleiro é tão chinês quanto os dvds do alagoano,
e frita pombos e limões perambulantes.
-Quanto é que custa os limão?
-Sei não... mas meu tomate é barato!
É fresquinho! É barato! Ói’o tomate óia!

-Mas essa vida anda tão cara...

Diante da feira o trânsito pára,
e o homem de negócios
em conserva no ar condicionado
maldiz as verduras que causam engarrafamentos na hora do
[rush.

domingo, janeiro 15, 2012

Ode a Piratininga

A Mário de Andrade

São Paulo!
Desgosto verde-amarelado,
Estado de militares e engenheiros,
terra vermelha de sangue
herdeira do bandeirantismo!

Eu, paulista, te cuspo e renego!
Meu ódio é o cheiro de bosta
que corre numa rua do Centro
ao sábado Paulista
de passeio e cinema
dos Jardins às Perdizes.
Eu te abomino! Estado de panças
odeio seus pais de famílias e seus telejornais,
cuspo no imigrante enricado
no seu trabalho suado
catarro nas fábricas de automóveis e nas agências de importação!

Modernos Borba Gatos, unhas de fome e gravata,
eu vos afogo no Tietê!
E vivam as águas do Tietê!

Mulato erudito, filho da terra,
eu faço-lhe eco: insulto o burguês e a baronesa
o homem av. Paulista
o homem nádegas!
Insulto os criminosos de mãos limpas e título de eleitor,
Xingo suas esposas perfumadas de pentelhos alisados
E seus filhos bêbados nos engarrafamentos de sábado à noite!
Insulto seus governantes elegantes e cautelosos,
Insulto o pagador de impostos chorão
E mais do que todos insulto o artista, o estudante
cuspo em seus livros e Vilas Madalena
por sempre olhar todos por cima
por sempre entoar as mesmíssimas cantilenas!

Fogo nas pizzas de sextas-feiras! Fogo nos Datenas! Fogo nos cinemas!
Explodam-se as Salas São Paulo e os Conjuntos Nacionais,
os Shoppings Bourbon e os parques Trianon.
Inundem as avenidas do Estado!
E vivam as águas do Tamanduateí!

Chega de bandeirantismo imobiliário!
Abaixo à Ordem policial!
Abaixo o Progresso industrial!
Abaixo o orgulho dos fabricantes de parafusos!
E também esse nosso incurável orgulho...
Você é pobre, São Paulo,
apesar dos não sei quantos por cento de participação no PIB nacional...
Pobre do Brasil, que perdeu,
a chance de te perder em 1932!

Enlatem o soldado desconhecido,
o barão do café,
os Matarazzo, os Fernões Dias Paes,
os Bonifácios e os Paulos Maluf!
Que apodreçam no rio Pinheiros!
E vivam as águas do rio Pinheiros!

Fogueira com a República do Rodoanel com leite!
A avenida São João é o nosso maior monumento,
depois da hipocrisia e da Faculdade de Engenharia.
Contribuímos anualmente com decorações de natal sub-americanas
e sérios candidatos à presidência da
República, de nossas praias.
O carioca é malandro...
O baiano é folgado...
O mineiro é traiçoeiro...
O pernambucano é metido...
O gaúcho é abusado...

Mas eu, paulista da nata, tenho o dom da preguiça,
não a da nata, dos Macunaímas,
preguiça sem graça. Preguiça metida.
Até os pombos daqui pecam no orgulho:
sentam-se, obesos, no alto de seus edifícios ou fios elétricos,
admiram a civilização
e esperam a morte chegar.

Há morte! A morte, São Paulo, virá,
um dia, todo seu lixo
com toda essa infâmia
vai borbulhar dos seus rios, que tentou
em vão, se livrar.
Tietê, Tamanduateí e Pinheiros
tarde de chuva e de trânsito
ainda hão de gorfar Marginais afora
todo esse nosso nojo
e esporrar na cara da av. Paulista
como num filme pornô americano.

terça-feira, janeiro 10, 2012