segunda-feira, maio 27, 2013

Enquanto o mundo não se acaba

Vou lavando as mãos
manchadas pelo que não fiz.

Vou esperando esse ônibus
sentido bairro, azul,
como se esperasse um anjo
de fogo.

Ou um bondinho vermelho de Pinheiros para o Botafogo.

Enquanto o ônibus não passa
o tempo passa não para não passa
ônibus esse tempo todo
vou começando tudo de novo...

Mundo de novo.

Mas...
enquanto o mundo não se acaba
Viva o povo dessa terra ingrata!
Viva viva! enquanto a terra - madrasta ou mãe? -
Não nos come e mata.

domingo, março 17, 2013

Melhor não

A intensão que existe
é só a tua.
Guarda pra ti tua loucura.
Não só o que nela há de puro
te pertence
mas mais teu do que tudo
é o que nela há de indecente.

Te cala, te prende,
não diga o que te move ou para.
Na vida, o silêncio é sempre
das joias falsas, a mais cara.
Não importa o que querias
ou não querias dizer:
o que está dito está dito.
E desculpar não é (ainda!) esquecer.

Não olhe, não queira: deixa
o susto arrefecer... É melhor
perder no sono que na pressa:
Resta o "Eu não quis nada,
era você..."

sexta-feira, novembro 23, 2012

Bom-dia

O relógio
 soluça como um pássaro
em meu bolso.               .

Cassiano Ricardo

Bom-dia.
A vida segue a mesma e mais
uma vez faz 15 graus
em novembro
na capital
deste estado lúcido irreal.

"Bom-dia!"
                  te gritam desde o rádio
à padaria. Da firma,
do ralo do banho.
Mas você sabe bem
(e cada olhar só confirma)
o dia que hoje tens.

Dia de ovo, fadiga e carne.
Dia de novo, bom-dia,
não O dia
(ou não-dia).
Finalmente dia
do fim
(ou Dia do até-qu'enfim).
O dia de pouco ausente
e muito bastante.

(Bastar)

Av. Brigadeiro congestionada pelas obras de recapeamento!
Manobras no autódromo.
                                         1º lugar!
Mais uma vez, vida em Marte.
E tem sol e tem sangue em toda parte.

Em São Paulo, faz frio, nada de novo
de novo
             e bom-dia.
Bueiros, placas e ônibus,
sono e tropeços.

Tropical melancolia.

sábado, novembro 17, 2012

Soliturno

A noite, lenta, me molha os pés.
Olhos secos. A sombra
de dois dias me atravessa.

Boca hermética, embora
uma estrela queira sair.
Mas céu de chumbo. Dialética.

E sangue da noite, pingando
as demoras. Como a manhã
que já esboço, pensando.

Mesmo só, ainda posso
inventar companhias de vento
e de pó. Mas me engasga o raiar do dia.

Imensa noite preta e sem magia.

quinta-feira, outubro 25, 2012

Subdesenvolvimente


A Felipe Catalani
Passa a chuva, fina e linda,
aos passos do pop-rock.
O frio dança! Tão modernamente...
Meus passos também acompanham
o ritmo desvairado da capital.
Outra tarde, sem planos...
além do clima de cinema americano
A Paulista é a 5a avenida subequatorial,
e os edifícios transpiram civilidade.
Possibilidade...
Que frio que faz!
Enredo perfeito
às minhas mágoas risonhas....
Oh, que tristeza estar só!
Dos cinemas, se projetam
mulheres cinematográficas.
Se ao menos uma me desse um sinal...
Na hora me declararia!
e como nas comédias românticas
íamos ver o pôr do sol da Marginal.

sexta-feira, outubro 05, 2012

Quadras manuelinas

Inútil procurar nos vãos do mundo
A flor que entre dois versos, má, se esconde.
Inútil responder com ferro imundo
À ofensa a que só o beijo corresponde

Ao que é por si só cabe se ser.
A mim (e o confesso, ser errante)
Até a fuga fácil do viver
Por hora me parece bem distante.

O chão que piso, firme, a mão que aperto:
A hora em que a emoção fugaz se explica
Embora toque o peito, enfim aberto,
Logo o fecha. Mesmo assim algo fica.

Algo das coisas que transpõem-se verso,
Algo de sombra, ou de desejo puro.
E tudo o que, pensava, era perverso,
Num susto descobri: é o que procuro.

domingo, setembro 30, 2012

Mecanismo

Sou coisa elástica escamosa
(cacos de telha, cabos de aço).
Cresci, ramifico ao acaso
(ou descaso, como me chamo)

As garras tão longas, ferindo a vista...
Me visto de espaço, pano justo,
e não sobra.

Asfixio, remexo, enclausuro.

E me dispo. Penduro
os horizontes no cabide. E lambo
(com faca entre os dentes)
feridas abertas, seus olhos.

Desabrocha o vermelho do sangue.
Não sou mais aço nem pedra nem bicho.
Sou vivo
e morro por isso.

Mau negócio...
Em vez de abraço
prefiro
o luzir do aço.